Estive em Salvador e foi impossível não lembrar de Jorge Amado e de um dos meus livros favoritos: "Capitães da Areia". O livro foi publicado em 1937, sendo, no mesmo ano, perseguido pelo Estado Novo, que queimou mais de 800 exemplares da obra em praça pública sob a alegação de ser objeto de propagação do comunismo.
Com pseudo-reportagens que intencionam dar ao romance um teor de veracidade e trazer à tona a visão das autoridades sobre os meninos abandonados, Jorge Amado retrata o cotidiano dos Capitães da Areia, moradores de um velho trapiche abandonado, localizado na Cidade Baixa, parte de Salvador onde está localizada a zona portuária.
De um lado, os meninos do trapiche, símbolo de liberdade e receptividade. De outro, os burgueses aprisionados em suas mansões cercadas por grades, tidas como verdadeiros confinamentos. Assim, está marcada a luta de classes do enredo: a ideologia burguesa legitimada pelos representantes do Poder Judiciário e apoiada pelo Clero, a polícia como cão-de-guarda das classes dominantes, o Brasil de 30 com uma visão de país 'novo' versus os meninos abandonados e tratados puramente como marginais, revoltados com tanto descaso da sociedade, recebendo da vida mundana o único sentimento fraternal que poderiam ter e amadurecendo com as artimanhas da sobrevivência.
Gato, Boa-Vida, João Grande, Pirulito. Sem-Pernas, Volta-Seca, Dora, Professor e Pedro-Bala me encantaram (e me encantam) de um jeito único. Para mim, são heróis, são plenos, são crianças e adultos, são humanos, são poesia.
Este é um romance pra ler agora, em plena discussão da redução da maioridade penal. Pra degustar, se emocionar e sentir um pouquinho como é estar 'do outro lado do muro'.
por JULIANA ALEXANDRINO